A formação do músico católico é fundamental e a pedra principal é sua obediência e concordância litúrgica.
CASO O PLAYER DE ÁUDIO NÃO CARREGUE, ATUALIZE O NAVEGADOR ATÉ QUE SEJA ATIVADO O botão "PLAY".

TRANSLATE

PESQUISA

ARQUIVO DO BLOG

quinta-feira, 31 de março de 2016

História da Igreja: A dita “Papisa Joana”

A estória
Nos debates concernentes à Papisa Joana são evocados onze textos ou fontes escritas, que se escalonam entre os anos de 886 e 1279. Esses onze textos se reduzem a duas famílias de documentos: uma família é a da Chronica universalis Mettensis, devida ao dominicano João de Mailly e redigida por volta de 1250. A outra família é a do Chronicon pontificum et imperatorum, documento confeccionado pelo confrade dominicano Martinho de Tropau, dito “Polono” (? 1279). Os relatos da estória encontrados em documentos mais antigos do que os dois atrás citados são devidos a interpolações posteriores ao século XIII (interpolações, pois, tardias, feitas em documentos dos séculos IX – XII).
Que dizem as duas fontes sobre a Papisa Joana?
1) A recensão da Chronica universalis Mettensis refere o seguinte:
Em Roma, uma mulher simulou o sexo masculino; e, muito inteligente como era, veio a ser notário da Cúria pontifícia, Cardeal e Papa. Um belo dia, tendo montado a cavalo, foi acometida de dores de parto. A justiça de Roma então a condenou a ser amarrada pelos pés ao rabo de um cavalo, que a arrastou meia-légua de distância, enquanto o povo a apedrejava. Foi sepultada no lugar mesmo em que morreu.
Um cronista posterior, Estevão de Bourbon, acrescentou dois trapos a essa narrativa: Joana fora ter a Roma (a crônica anterior nada dizia sobre a origem da “heroína”), e se tornara Cardeal e Papa com o auxílio do demônio.
Posteriormente, um cronista de Erfurt observou, em acréscimo, que Joana era uma bela mulher; também modificou o papel do demônio, dizendo que este denunciara num consistório que Joana estava grávida.
A crônica de Metz coloca tal episódio logo após o pontificado do Papa Vítor III (? 1087). Estevão de Bourbon diz que ocorreu por volta de 1100, após a morte de Urbano II (1099), ao passo que o cronista de Erfurt retrocede até 915, depois do governo de Sérgio III (? 914)!
2) A recensão de Martinho Polono é mais complexa do que a anterior.
Refere que João da Inglaterra, nascido em Mogúncia (Alemanha), ocupou a cátedra papal durante dois anos, sete meses e quatro dias. Era uma mulher. Jovem, fora por seu amante levada, em trajes masculinos, para Atenas, onde granjeou grande erudição. Transferiu-se para Roma, onde ensinou o “trivium”30, tendo entre os seus ouvintes e discípulos grandes mestres da época. Já que gozava de boa reputação e elevado saber, foi eleita Papisa (ou pretensamente Papa) por consentimento de todos os eleitores, com o nome de João Ânglico.
Grávida, ela se dirigia certa vez de São Pedro à basílica do Latrão; entre o Coliseu e a igreja de São Clemente, deu à luz, morreu e foi sepultada no mesmo lugar. Isto tudo se terá verificado após o pontificado de Leão IV (? 855). Todavia um interpolador, Otão de Freising, coloca a eleição da Papisa Joana em 705!
A versão de Martinho Polono foi modificada pelo autor de um manuscrito do século XIV (publicado por Doellinger em Die Papstfabeln des Mittelalters, Munique 1863, p. 503). Tal autor põe em foco uma jovem chamada Glância, oriunda não de Mogúncia, mas da Tessália, a qual se terá tornado Papa, não, porém, com nome de Joana, e, sim, com o de Jutta.
Nos séculos XIV e XV a estória gozava de crédito mais ou menos geral: no domo de Sena, por exemplo, em cerca de 1400, foram erguidos os bustos dos Papas, entre os quais o da Papisa Joana. No Concílio de Constança (1414-1418), o herege João Hus citou a Papisa Joana sem sofrer contestação alguma. Humanistas e adversários da Igreja, principalmente após o cisma protestante (século XVI), muito exploraram a narrativa, multiplicando livros e folhetos que propagavam a estória.
Deve-se ainda notar que, com o decorrer do tempo, a lenda da Papisa Joana foi acrescida de outra, não menos repugnante. – Com efeito, forjaram-se documentos segundo os quais os Cardeais da S. Igreja, receando que fosse de novo eleita uma mulher Papisa recorriam a uma cadeira de assento perfurado a fim de se assegurar do sexo do candidato eleito. Tal cadeira era chamada “stercoraria” (palavra que provém de stercus, esterco).
Esta outra narrativa se encontra nos escritos de autores medievais, dos quais alguns protestam contra ela. Tenham-se em vista Godofredo de Courlon, em cerca de 1295; o dominicano Roberto de Uzés, ? 1296; Tiago Angeli de Scarpia, em 1400 (o qual contradiz à insana fabula); Félix Hemmerlin, ? 1460…
A denúncia da falsidade
Apesar de leves dúvidas sobre a veracidade dessas estórias, dúvidas proferidas desde o século XIII, somente a partir de meados do século XVI se reconheceu o caráter lendário das mesmas. O século XVI, com a Renascença, foi justamente o século da crítica aos falsos documentos da história anterior.
O primeiro a denunciar a falsidade da estória de Joana foi João Thurmaier, cognominado “Aventino” (oriundo de Abensberg na Baviera), falecido em 1534, e autor de Annales Boiorum. Esse escritor era publicamente católico, mas ocultamente luterano. A sinceridade, porém, levava-o a reconhecer a fraude da lenda.
Seguiu-se Onófrio Panvínio (? 1568), que escreveu anotações sobre a vida dos Papas publicadas em Veneza em 1557.
Leia também: A Papisa Joana existiu?
A refutação da lenda foi cabalmente empreendida por Florimundo de Rernond, que escreveu o livro Erreur populaire de la papesse Jeanne, editado em Paris (1558), Bordéus (1592, 1595) e Lião (1595). O autor mostrava a impossibilidade de tal “estória” e as contradições das diversas recensões. Notem-se ainda o autor protestante D. Blondel (“Familier esclaircissement de la question, si une femme a esté assise au siége papal de Rome entre Léon IV et Benoit III”. Amsterdam 1647) e o erudito Ignaz von Doellinger (Die Papstfabeln des Mittelalters. Stuttgart 1890), o qual não era muito amigo do Papado, pois se separou de Roma por não querer reconhecer a infalibilidade pontifícia definida em 1870 pelo Concílio do Vaticano I.
As razões pelas quais não se admite mais a estória da Papisa Joana, são:
a) as incertezas e vacilações das diversas versões, principalmente ao assinalarem a data do pretenso episódio;
b) o fato de que até meados do século XIII a extraordinária e interessante estória da Papisa Joana (que teria vivido no período dos séculos IX, X, XI) é totalmente ignorada pelos cronistas medievais. Os primeiros que se referem, são o dominicano João de Mailly na sua Chronica universalis Mettensis redigida por volta de 1250, e seu confrade Martinho Polono (? 1279), autor de Chronicon pontificum et imperatorum. Averigüou-se que os relatos da lenda encontrados em documentos mais antigos, do que estes foram inseridos aí depois do século XIII;
c) a série dos Papas, como hoje é conhecida, não admite interrupção entre Leão IV e Bento III (século IX), como tão pouco a comporta entre Pontífices dos séculos X/ XI. – Com efeito, Leão IV morreu aos 17 de julho de 855 e Bento III foi eleito antes do fim de julho de 855. Por conseguinte, entre Leão IV e Bento III é impossível intercalar o pontificado da pretensa Papisa, que teria durado dois anos, sete meses (ou cinco meses ou um mês, segundo os diversos narradores) e quatro dias. A mesma impossibilidade se verifica, caso se queira transferir o “pontificado” de Joana para outra fase dos séculos VII/XI; não há brecha na série dos Papas para intercalar uma Papisa.
Como explicar…?
1. Julga-se que a estória é uma alusão às tristes condições em que se achava o Papado no século X: vários Pontífices caíram então sob a influência de três mulheres prepotentes em Roma: Teodora, esposa de Teofilacto, e suas filhas Teodora e Marócia. Na mesma época houve sete Papas com o nome de João: João IX (898-900), João X (914-929), João XI (931-935), João XII (955-964), João XIII (965-972), João XIV (983-984), João XV (985-996), sendo que a respeito de João XI escreveu um cronista seu contemporâneo: “Foi subjugado em Roma pela prepotência de uma mulher” (Bento de S. André de Sorate, Chronicon em Monumenta Germaniae Histórica III 714). Tal notícia por si só podia bastar para fazer crer que realmente uma mulher ocupara a Sé de Pedro. Podia também sugerir o nome de Joana para essa mulher, pois a mulher de que fala o cronista Bento de S. André era tida como familiar de João XI (era a mãe deste Papa); ora “muito naturalmente” uma mulher aparentada do Papa João deveria chamar-se Joana! Compreende-se, pois, que o século X, fase difícil da história do Papado, tenha sido ilustrado (ou caricaturado) de maneira muito eloquente pela narrativa fictícia de que uma mulher chegou a subir ao trono pontifício.
2. Em particular, a lenda da cadeira estercorária explica-se do seguinte modo:
Uma vez eleito o Papa, os Cardeais e o povo iam à basílica de São João do Latrão. O Pontífice se sentava numa cadeira de mármore colocada sob o pórtico da igreja; os dois Cardeais mais antigos o sustentavam pelos braços e o levantavam, ao canto da antífona “Suscitans a terra inopem et de stercore erigens pauperem. – Levantas da terra o indigente e do esterco ergues o pobre” (Salmo 112,7). Em consequência, tal cadeira se chamava “estercorária” (o canto sugeria o adjetivo…) A cadeira não possuía assento perfurado. A cerimônia tinha seu simbolismo claramente enunciado pela antífona: apresentava o Papa como o pobre servidor que Deus se dignava de exaltar ao pontificado.
A seguir, o Pontífice era levado ao batistério do Latrão. Sentava-se sobre uma cátedra de porfírio e recebia as chaves da basílica, sinal de suas faculdades pastorais. Depois, sentado sobre outra cadeira de porfírio, devolvia as chaves. Essas duas cadeiras de porfírio tinham assento perfurado; eram cadeiras antigas, que haviam servido aos banhos dos romanos e que eram utilizadas em tal cerimônia papal não por causa da sua forma, mas por causa do respectivo valor. Ora a lenda confundiu esses diversos elementos, imaginando a cadeira estercorária como cadeira de assento perfurado e associando-se à estória da Papisa Joana.historiaigrejadademedia
3. De resto, a lenda foi reformada pela existência de uma estátua de mulher com criança nas mãos, que na Idade Média se achava junto A igreja de São Clemente em Roma. Essa estátua seria, conforme os cronistas medievais, a da Papisa Joana; estaria acompanhada de uma inscrição, da qual quatro variantes nos são referidas pelos historiadores da Idade Média:
“Parce pater patrum papissae prodito partum”.
“Parce pater patrum papissae prodere partum”.
“Papa pater patrum papissae pandito partum”.
“Papa pater patrum peperit papissa papellum”.
Ora os arqueólogos admitem, seria a estátua mencionada a que se encontra hoje no Museu Chiaramonti de Roma; seria uma estátua de origem pagã a representar talvez Juno que amamenta Hércules.
As diversas formas da inscrição acima parecem não ser mais do que tentativas medievais para reconstituir uma frase fragmentária assim encontrada ao pé dessa estátua de origem pagã:
P… PATER PATRUM P P P
Sabe-se que Pater Patrum era o título característico dos sacerdotes de Mitra (justamente debaixo da igreja de São Clemente em Roma foi encontrado grandioso santuário de Mitra). Mais ainda: sabe-se que a abreviação P P P é freqüente na epigrafia latina, significando muitas vezes própria pecunia posuit, ou seja, construiu à custa própria. Donde se conclui com verossimilhança que a “estátua da Papisa Joana” não é senão uma efígie em uso no culto de Mitra, custeada e colocada no santuário respectivo pelo sacerdote pagão P… (talvez Papinus) em inícios da era cristã. A inscrição abreviada e mutilada pela injúria dos tempos, prestando-se a interpretações diversas, teria dado lugar às conjeturas dos poetas medievais que corroboravam a lenda da Papisa Joana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...